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A caça aos rótulos cor-de-rosa


Uma vez, perguntei no Facebook - este espaço digital de debates e intercâmbio cultural - qual o rosto aceitável da pobreza. Estava à espera que alguém se rebelasse e questionasse como pode a pobreza ser aceitável, cá na União europeia em pleno século XXI mas não aconteceu. Em lugar disso, a única resposta de quem se importou o suficiente com o tema para escrever algo foi "Tarzan, porque anda de tanga todo o ano sem ninguém lhe pedir para o fazer".

Humor à parte, vivemos numa terra onde crianças chegam à escola de manhã com a barriga vazia. A lógica dita que, se não há comida para os miúdos, provavelmente também não há para os adultos, sejam pais ou não.

Cá estamos numa era em que as necessidades básicas - comida, alojamento, cuidados de saúde - já deixaram de ser cumpridas em vários níveis da sociedade. Crianças, desempregados, trabalhadores precários de todos os tipos, estagiários em série e sem perspectivas, idosos com uma reforma mensal que nem chega para pagar os medicamentos, quanto mais alimentação - estão a passar fome nos Açores em 2011.

Embora a sociedade açoriana seja orientada para a entreajuda familiar, há quem não tem nenhum sistema de apoio, nenhuma rede de segurança. Não é fácil pedir ajuda a desconhecidos ou a entidades do Estado. Existe um forte sentimento de vergonha em qualquer adulto obrigado a admitir que não consegue sustentar-se - neste caso, pedir ajuda é abdicar desta nossa espinha dorsal, a dignidade humana.

Portanto não se pede ajuda mas disfarça-se, desenvolvem-se mecanismos criativos de enfrentar o problema, tácticas engenhosas para enganar a fome e os outros. Por exemplo, evita-se o convívio com os colegas de trabalho na hora do almoço ou toma-se só chá, citando motivos como má disposição, alergias alimentares, religião ou veganismo consoante a inspiração do momento, aprende-se quando e onde o hiper coloca produtos em fim de prazo de validade - assinalados pelos rótulos cor-de-rosa - nas prateleiras, e convence-se aos poucos que o melhor remédio contra a obesidade, os diabetes e quase todas as doenças imagináveis é comer menos: uma refeição diária chega e sobra.

Desenrasca-se e sobrevive-se mais um dia, com uma refeição única tomada à noite - porque ir para cama sem nada no estômago dói - sem as pessoas em redor fazerem a mínima ideia.

No dia 12 de Março, haverá em todo o país aquela manifestação da geração dita "à rasca", uma frase muito amigável em termos jornalísticos, porque mesmo mergulhado numa situação atroz, Portugal continua a ser politicamente correcto e a querer manter a ilusão de riqueza a qualquer custo.

Assim a dignidade de cada um fica a salvo e nunca se sabe se, por trás das aparências enganadoras, a pessoa ao seu lado pode estar a passar fome. A verdade incomoda mas, hoje em dia, estar "à rasca" tem este significado também.

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